Reforma da Administração Local
Autonomia das freguesias
e isolamento do Interior em questão
Luís Antunes já foi dirigente sindical e hoje preside à Junta de Freguesia de Paialvo. Homem do coletivo, tem travado uma luta pela autonomia das freguesias do concelho de Tomar e por tantas outras por este país fora. A culpa? Essa é da lei nº 22/2012
A lei da reforma da Administração Local, promulgada pelo Presidente da República a 16 de Janeiro, tem sido o mote para a luta travada por centenas de Juntas de Freguesia. Luís Antunes afirma que “isto é mais uma política profunda de isolamento do Interior” e reconhece que sente na pele as consequências da lei como homem e político.
“A Junta de Freguesia é o Estado mais perto do cidadão e, mesmo com reduzidos orçamentos, as juntas desenvolvem obras que visam o bem comum com muito mais valor para a população local do que os outros organismos do Estado”, defende.
Luís Antunes orgulha-se da luta pelos interesses do seu concelho. “No início, estávamos na
lista negra porque não atingíamos os 30 mil eleitores. Depois, com a alteração do projecto-lei nº22, determinado número de freguesias teve de ser aglomera-do no nosso concelho”.
Mas não é uma luta única. Depois das alterações, a freguesia de Paialvo deixou de estar em risco de agregação, mas não foi isso que fez Luís Antunes e os seus fregueses baixarem os braços. A luta continua do Minho ao Algarve e é por ela que o presidente desta freguesia do centro de Portugal se tem ido muitas vezes à Assembleia da República, acompanhando autarcas também em dificuldades. “Fizemos a luta possível... petições públicas, concentrações, deslocações e manifestações de repúdio a esta política, disse.
Coluna vertebral
A moção “Somos História, somos gente, Paialvo sempre!”, aprovada a uma só voz em Setembro pela assembleia de freguesia, teve grande impacto quer no município, quer em termos nacionais. “Divulgámos a situação a toda a população para que ficasse a saber quais as consequências e enaltecemos a nossa história secular, sabendo que Paialvo já foi um concelho de pelourinho, o que no passado representava a Justiça”, acrescentou.
Aos olhos de Luís Antunes as Juntas de Freguesia, os seus presidentes e o poder reivindicativo da autarquia local são a “coluna vertebral que o poder político de direita quer partir”. E questiona:
“uma freguesia de até 5 mil eleitores, com um presidente da junta reformado, como é o meu caso e o de tantos outros, será pelos 270 euros por mês que recebe do Estado que vai perturbar e desequilibrar as finanças públicas?”.
O autarca sublinha que “não há ninguém que coloque mais em consciência o voto do que o cidadão na futura lista da sua Freguesia... Conhece-os a todos, vive, sente e vê quem é amigo da terra e, na hora do voto, realça bem isso”.
Para Luís Antunes trata-se de um problema político profundo. “Uma das grandes vitórias do 25 de Abril foi este poder local democrático e é esta mais uma das correntes que o poder de direita nacional, assim como por essa Europa fora, querem partir. E é aqui que está o cerne da questão”. Receia que nas próximas eleições autárquicas a representatividade e a igualdade política sejam limitadas. O bairrismo continuará a trazer a contestação social às ruas, porque “até aqui o eleitor podia votar num projeto político e numa pessoa que conhecia, com uma maneira de estar e gerir [a sua terra]. A partir de agora, vão surgir disputas não entre os projetos políticos apresentados, mas pelo local onde cada candidato pertence, se à freguesia A ou à B que foram agregadas. É com isto que o poder democrático local vai ser desvirtuado”.
O presidente da Junta da Freguesia de Paialvo aponta também como necessário o exercício realista do contraditório. “Houve uma proposta de lei e esta foi aprovada na AR e promulgada pelo PR, tudo bem num Estado de direito, mas a Constituição diz que temos direito à insubordinação pacífica, e eu estou ao lado dessas pessoas e tudo farei para que esta lei seja revogada ou pelo menos alterada”. E as imagens dessa contestação diária são o que poderá abrir caminho a uma viragem política, segundo Luís Antunes.
Consulta popular
A imposição da lei, sem a consulta aos autarcas e às populações, foi o que mais os feriu.
“A Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) é a primeira a dizer que a reorganização administrativa pode e deve existir, mas deve ser feita com a discussão das freguesias, das populações e sempre em favor destas últimas – o que não foi o caso”.
Basta ver o exemplo de duas freguesias no concelho de Tomar, com áreas superiores à de Paialvo (que tem 22km²), em que “a agregação da freguesia de Beselga à de Madalena não se justifica pois resulta num espaço demasiado grande para que um presidente de Junta consiga estar a par de todas as necessidades locais”.
Luís Antunes acrescenta, num tom satírico, que assim “um presidente de Junta já não é um presidente de Junta, é um conde de um extenso condado” e que “isto só resultará num aumento do isolamento do Interior, da miséria e do êxodo rural”.
Mas para este autarca “a maior dificuldade é lutar contra a maré em relação à crise, já que sabemos que há focos de miséria alimentar e temos de oferecer condições escolares a alunos que não as têm, o que marca um pequeno cidadão logo no início da sua vida”.
O presidente sabe que a atual crise precisa de respostas que a falta de autonomia das freguesias impede. “Quantas são as casas em que um casal passa de dois ordenados para dois subsídios de desemprego… é nesses locais que a junta deve atuar e
ajudar “, mas para tal “as câmaras municipais devem apoiar as juntas de freguesia”.
No entanto as dificuldades não parecem assustar Luís Antunes, que mantém bem alta a esperança no poder local democrático e na reviravolta das condições de vida dos portugueses e defende a necessidade de “continuar a amar o país – algo que
não se está a fazer”.
Joana Graça Feliciano
Publicado originalmente na Gazeta do Cenjor em Fevereiro 2013: http://www.cenjor.pt/gazetas/132169.pdf
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