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terça-feira, 14 de maio de 2013

Reportagem: Autonomia das freguesias e isolamento do Interior em questão

Reforma da Administração Local

Autonomia das freguesias
e isolamento do Interior em questão


Luís Antunes já foi dirigente sindical e hoje preside à Junta de Freguesia de Paialvo. Homem do coletivo, tem travado uma luta pela autonomia das freguesias do concelho de Tomar e por tantas outras por este país fora. A culpa? Essa é da lei nº 22/2012



A  lei  da  reforma  da  Administração  Local,  promulgada  pelo Presidente da República a 16 de Janeiro, tem  sido  o mote para a luta travada por centenas de Juntas  de  Freguesia.  Luís  Antunes afirma que “isto é mais uma política profunda de isolamento do Interior”  e  reconhece  que  sente na pele as consequências da lei como homem e político.
“A  Junta  de  Freguesia  é  o  Estado  mais  perto  do  cidadão  e, mesmo  com  reduzidos  orçamentos,  as  juntas  desenvolvem obras que visam o bem comum com muito mais valor para a população  local  do  que  os  outros organismos do Estado”, defende.

Luís  Antunes  orgulha-se  da luta pelos interesses do seu concelho. “No início,  estávamos na
lista  negra  porque  não  atingíamos os 30 mil eleitores. Depois, com  a  alteração  do  projecto-lei nº22,  determinado  número  de freguesias teve de ser aglomera-do no nosso concelho”.
Mas não é uma luta única. Depois  das  alterações,  a  freguesia de Paialvo deixou de estar em risco de agregação, mas não foi isso que  fez  Luís  Antunes  e  os  seus fregueses baixarem os braços. A luta  continua  do  Minho  ao  Algarve e é por ela que o presidente desta freguesia do centro de Portugal  se  tem  ido  muitas  vezes  à Assembleia da República, acompanhando autarcas  também em dificuldades. “Fizemos a luta possível... petições  públicas,  concentrações, deslocações  e  manifestações  de repúdio a esta política, disse.

Coluna vertebral
A moção “Somos História, somos gente, Paialvo sempre!”, aprovada a uma só voz em Setembro pela assembleia  de  freguesia,  teve grande  impacto  quer  no  município, quer em termos nacionais. “Divulgámos a situação a toda a  população  para  que  ficasse  a saber  quais  as  consequências e  enaltecemos  a  nossa  história secular,  sabendo  que  Paialvo já  foi  um  concelho  de  pelourinho,  o  que  no  passado  representava  a  Justiça”,  acrescentou.

Aos  olhos  de  Luís  Antunes  as Juntas de Freguesia, os seus presidentes e o poder reivindicativo da autarquia local são a “coluna vertebral que o poder político de direita quer partir”. E questiona:
“uma freguesia de até 5 mil eleitores, com um presidente da junta reformado, como é o meu caso e  o  de  tantos  outros,  será  pelos 270 euros por mês que recebe do Estado que vai perturbar e desequilibrar as finanças públicas?”.
O  autarca  sublinha  que  “não há  ninguém  que  coloque  mais em  consciência  o  voto  do que o cidadão na futura lista da sua Freguesia... Conhece-os a todos, vive, sente e vê quem é amigo da terra  e,  na  hora  do  voto,  realça bem isso”.

Para  Luís  Antunes  trata-se  de um problema político profundo. “Uma das grandes vitórias do 25 de Abril foi este poder local democrático e é esta mais uma das correntes que o poder de direita nacional,  assim  como  por  essa Europa  fora,  querem  partir.  E  é aqui que está o cerne da questão”. Receia que nas próximas eleições  autárquicas  a  representatividade  e  a  igualdade  política sejam  limitadas.  O  bairrismo continuará  a  trazer  a  contestação social às ruas,  porque “até aqui  o  eleitor  podia  votar  num projeto  político  e  numa  pessoa que conhecia, com uma maneira de estar e gerir [a sua terra]. A partir de agora, vão surgir disputas não entre os projetos políticos apresentados, mas pelo local onde  cada  candidato pertence, se  à  freguesia  A  ou  à  B  que  foram agregadas. É com isto que o poder democrático local vai ser desvirtuado”.

O presidente da Junta da Freguesia  de  Paialvo  aponta  também  como  necessário  o  exercício  realista  do  contraditório. “Houve  uma  proposta  de  lei  e esta foi aprovada na AR e  promulgada  pelo  PR,  tudo  bem num  Estado  de  direito,  mas  a Constituição  diz  que temos  direito à insubordinação pacífica, e eu estou ao lado dessas pessoas e tudo farei para que esta lei seja revogada ou pelo menos alterada”. E as imagens dessa contestação diária são o que poderá abrir  caminho  a  uma  viragem política, segundo Luís Antunes.

Consulta popular
A imposição  da  lei, sem a consulta  aos  autarcas  e  às  populações,  foi  o  que  mais  os  feriu.
“A  Associação  Nacional  de  Freguesias  (ANAFRE)  é  a  primeira a dizer que a reorganização administrativa pode e deve existir, mas deve ser feita com a discussão  das  freguesias,  das  populações  e  sempre  em  favor  destas últimas – o que não foi o caso”.
Basta  ver  o  exemplo  de  duas freguesias  no  concelho  de  Tomar, com áreas superiores à de Paialvo  (que  tem  22km²),  em que  “a  agregação  da  freguesia de Beselga à de Madalena não se justifica pois resulta num espaço  demasiado  grande  para  que um presidente de Junta consiga estar a par de todas as necessidades locais”.
Luís Antunes acrescenta, num tom  satírico,  que  assim  “um presidente de Junta já não é um presidente de Junta, é um conde de um extenso condado” e que “isto  só  resultará  num  aumento do isolamento do Interior, da miséria e do êxodo rural”.
Mas  para  este  autarca  “a maior dificuldade é lutar contra a maré em relação à crise, já que sabemos que há focos de miséria alimentar  e  temos de oferecer condições escolares a alunos que não as têm, o que marca um pequeno cidadão logo no início da sua vida”.

O presidente sabe que a atual crise precisa de respostas que a falta de autonomia das  freguesias  impede.  “Quantas  são  as casas em que um casal passa de dois ordenados para dois subsídios  de  desemprego…  é  nesses locais  que  a  junta  deve  atuar  e
ajudar “, mas para tal “as câmaras municipais devem apoiar as juntas de freguesia”.
No  entanto  as  dificuldades não  parecem  assustar  Luís  Antunes,  que  mantém  bem  alta  a esperança no poder local democrático e na reviravolta das condições de vida dos portugueses e defende a necessidade de “continuar a amar o país – algo que
não se está a fazer”.

Joana Graça Feliciano 

Publicado originalmente na Gazeta do Cenjor em Fevereiro 2013: http://www.cenjor.pt/gazetas/132169.pdf

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